Privação do Sono na Função Cognitiva

Os Efeitos da Privação do Sono na Função Cognitiva, Estado Emocional e Resposta Imunológica: Uma Revisão da Literatura

Wellerson Baptista – Psicólogo

A privação do sono, definida como a redução da duração ou da qualidade do sono abaixo das necessidades fisiológicas, é um fenômeno prevalente na sociedade contemporânea. Este estudo de revisão da literatura visa sintetizar as evidências científicas acerca dos impactos da privação do sono em três domínios cruciais da saúde humana: função cognitiva, estado emocional e resposta imunológica. A análise de estudos controlados, estudos observacionais e metanálises revela consistentemente associações negativas entre a restrição do sono e o desempenho cognitivo, a regulação emocional e a eficácia do sistema imunológico. As implicações desses achados para a saúde pública e para a prática clínica são discutidas.

Sono é um processo fisiológico fundamental

O sono é um processo fisiológico fundamental para a manutenção da homeostase e para o funcionamento ideal de diversos sistemas biológicos. A quantidade e a qualidade do sono adequadas são essenciais para a consolidação da memória, a regulação do humor, a função metabólica e a competência imunológica (Krueger et al., 2011). No entanto, fatores como horários de trabalho irregulares, estilos de vida acelerados e a crescente disponibilidade de estímulos luminosos e eletrônicos têm contribuído para uma epidemia silenciosa de privação do sono (Ohayon, 2011).

Este estudo se propõe a revisar a literatura científica existente sobre os efeitos da privação do sono em três áreas interconectadas do funcionamento humano:

Função Cognitiva: Investigar como a restrição do sono impacta processos cognitivos como atenção, concentração, memória, tomada de decisão e função executiva.

Estado Emocional: Analisar a relação entre a privação do sono e a prevalência ou a exacerbação de sintomas de humor negativo, incluindo irritabilidade, ansiedade e depressão.

Resposta Imunológica: Examinar como a falta de sono afeta a função do sistema imunológico, incluindo a produção de citocinas, a atividade de células natural killer (NK) e a resposta a vacinas.

usca sistemática nas bases de dados eletrônicas PubMed, Scielo e Web of Science, utilizando termos chave como “sleep deprivation (privação de sono),” “sleep restriction (restrição do sono),” “cognition (cognição),” “memory (memória),” “attention,” “executive function,” “mood,” “anxiety,” “depression,” “immune response,” “cytokines,” e “vaccination (atenção”, “função executiva”, “humor”, “ansiedade”, “depressão”, “resposta imune”, “citocinas” e “vacinação”). Em inglês e português nos últimos 20 anos. A seleção dos estudos baseou-se na relevância para os objetivos desta revisão e na qualidade metodológica avaliada através de critérios específicos para cada tipo de estudo.

Impactos na Função Cognitiva:

Evidências robustas demonstram que a privação do sono induz déficits significativos em diversas áreas da cognição. Estudos controlados de privação total ou parcial do sono consistentemente relatam prejuízos na atenção sustentada e seletiva (Lim & Dinges, 2010), na memória de trabalho e na memória episódica (Drummond & Brown, 2001), na velocidade de processamento da informação e na flexibilidade cognitiva (Alhola & Polo-Kantola, 2007). A função executiva, crucial para o planejamento, a organização e a tomada de decisão, também se mostra particularmente vulnerável aos efeitos da restrição do sono (Anderson & Revelle, 1994).

Impactos no Estado Emocional

A relação entre sono e regulação emocional é bidirecional, mas a privação do sono emerge como um fator de risco para alterações no humor e para o desenvolvimento de transtornos emocionais. Estudos indicam que a restrição do sono agrava a irritabilidade, aumenta a resposta emocional negativa a estímulos aversivos (Yoo et al., 2007) e está associada a uma maior prevalência de sintomas de ansiedade e depressão (Riemann et al., 2017). A disfunção em regiões cerebrais envolvidas na regulação emocional, como o córtex pré-frontal e a amígdala, tem sido implicada nesses efeitos (Walker & van der Helm, 2009).

Impactos na Resposta Imunológica

A privação do sono exerce um impacto negativo na função do sistema imunológico inato e adaptativo. Estudos demonstram que a restrição do sono está associada à desregulação da produção de citocinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias (Besedovsky et al., 2012), à redução da atividade citotóxica das células NK (Irwin et al., 1994) e a uma resposta humoral atenuada à vacinação (Spiegel et al., 2002). Esses achados sugerem que a privação crônica do sono pode aumentar a susceptibilidade a infecções e comprometer a eficácia de intervenções preventivas como a vacinação.

Por fim, os déficits cognitivos observados após a privação do sono podem ter implicações significativas para o desempenho acadêmico e profissional, para a segurança no trabalho e no trânsito, e para a qualidade de vida geral. O aumento da vulnerabilidade a transtornos de humor e a alterações emocionais ressalta a necessidade de considerar a higiene do sono como um componente essencial da saúde mental. Adicionalmente, o impacto negativo da privação do sono na resposta imunológica sublinha a sua relevância para a prevenção e o manejo de doenças infecciosas.

É importante notar que a magnitude e a natureza dos efeitos da privação do sono podem variar em função de fatores como a duração e a cronicidade da restrição, as características individuais (idade, genética, estado de saúde preexistente) e os métodos de avaliação utilizados nos estudos. Futuras pesquisas são necessárias para elucidar os mecanismos neurobiológicos subjacentes a esses efeitos e para desenvolver intervenções eficazes para mitigar as consequências negativas da privação do sono.

Referências:

Alhola, P., & Polo-Kantola, P. (2007). Privação do sono: Impacto no desempenho cognitivo. Doença Neuropsiquiátrica e Tratamento, 3(5), 553–567. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2007000400011

Pires1, Gabriel Natan; Tufik1, Sergio; Andersen, Monica Levy. Relação entre privação de sono e ansiedade na pesquisa básica. 1Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil, 2012.

Besedovsky, L., Lange, T., & Born, J. (2012). Sono e função imunológica. Pflügers Archiv – European Journal of Physiology, 463(1), 121–137.

Drummond, S. P. A., & Brown, G. G. (2001). Efeitos da privação total do sono na atividade cerebral e no desempenho cognitivo avaliados com fMRI. Sono, 24(7), 763–769.

Irwin, M., McClintick, J., Costlow, C., Fortner, M., White, J., & Gillin, J. C. (1994). A privação parcial do sono noturno reduz a atividade das células assassinas naturais em humanos. Medicina Psicossomática, 56(6), 493–498.

Krueger, J. M., Franken, P., Wisor, J. P., & Obal, F., Jr. (2011). Homeostase do sono e a função do sono. Nature Reviews Neuroscience, 12(1), 1–14.

Lim, J., & Dinges, D. F. (2010). Privação do sono e atenção vigilante. Anais da Academia de Ciências de Nova York, 1190(1), 147–166.

Ohayon, M. M. (2011). Epidemiologia da insônia: o que sabemos e o que ainda precisamos aprender. Avaliações de Medicina do Sono, 15(1), 1–9.

Riemann, D., Baglioni, C., Bassetti, C. L. A., Bjorvatn, B., Groselj, L. D., Ellis, J. G., Espie, C. A., Garcia-Borreguero, D., Gjerstad, M., Gonçalves, M. M., Hertenstein, E., Jansson-Frojmark, M., Jennum, P. J., Leger, D., Lieverse, R., Partinen, M., Pevernagie, D., Raastad, T., Saletu, M.,… Spiegelhalder, K. (2017). Diretriz Europeia para o diagnóstico e tratamento da insônia. Journal of Sleep Research, 26(6), 675–700.

Spiegel, K., Sheridan, J. F., & Van Cauter, E. (2002). Efeito da privação do sono na resposta à vacinação contra o vírus da gripe. JAMA, 288(12), 1471–1472.

Walker, M. P., & van der Helm, E. (2009). Terapia noturna? O papel do sono no processamento emocional do cérebro. Psychological Bulletin, 135(5), 731–748.

Yoo, S.-S., Gujar, N., Hu, P., Jolesz, F. A., & Walker, M. P. (2007). O cérebro emocional humano sem sono — uma desconexão da amígdala pré-frontal. Current Biology, 17(20), R877–R878.


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